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O meu pai costumava
dizer-me: olha, constróis casas para alguém?
Não.
Salvas vidas?
Não.
Produzes algo para
comeres?
Não.
Então tu não trabalhas,
tens é um passatempo.
Pêpê Rapazote, E,
17.10.14
1.
No início do ano que morreu na passada terça-feira escrevia o diretor do jornal
Mais
Guimarães (19.01.16) no seu texto de editorial que a liberdade
de expressão é um termo bonito, que convém verbalizar quando nos queremos
afirmar verdadeiros democratas. Mas
acrescentava Eliseu Sampaio que o mais difícil será entendê-la ou respeitá-la.
2.
Luís Montenegro, no seu discurso de despedida do parlamento português, escrevia
no semanário Expresso (18.04.07) que o populismo é o pai da mediocridade, e a
mediocridade é a mãe da pobreza. O atual candidato à liderança do
partido social-democrata, uma semana depois, diria no mesmo semanário que nós,
cidadãos, delegamos autoridade ao Estado para sermos livres. Não delegamos
liberdade ao Estado para ter autoridade sobre nós.
3.
Recuando um pouco no tempo, o senhor Eduardo Lourenço afirmava ao jornal Público
(17.07.31) coisas que nos deviam fazer passar as noites em claro e pensar no
devir, na vaidade e na mania marialvista de que somos perfeitos; fabulosos: provavelmente,
a figura capital da raça humana é Narciso. Narciso é uma espécie de defesa,
alguém que que não se pode debruçar demasiado sobre a sua imagem sem que isso
lhe seja fatal.
Ah! Entre a
liberdade de expressão – mais difícil será entendê-la ou respeitá-la
– que o Eliseu defende, e comparando o narcisismo português, sinto um desejo
enorme de olhar para o que escrevia Margarida Fonseca (Jornal de Noticias,
17.04.01): meu caro Pinóquio. Escrevo-te hoje, dia das mentiras, para te dizer que
deixaste uma prole dispensável. Não vê o nariz crescer quando mente, nem tem
entalhadores como país, mas consegue mentir tão bem como tu quando ainda eras
de pau.
4.
Pois é, Pêpê Rapazote! Produzes algo para comeres? ou tens um
passatempo.
Também eu me
sinto um passatempo quando olho em volta. E não, nem me passa pela cabeça, pensar
no que é liberdade; a liberdade do senhor Luís Montenegro. Mas olho com
preocupação para a “figura capital da raça humana” que é o Narciso.
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