O homem pega num cigarro. E antes de o levar à boca cruza os olhares sobre o horizonte. Depois deixa que os seus olhos sigam as esculturas voláteis que vão saindo do fumo.
O calor da sala e o cheiro intensamente forte a flores dão um ar pesadão ao final de tarde. A sala é cada vez mais pequena para tanta gente à tua volta.
Olha! Vai rezar o terço!
É estranho como se entra na sala, de ânimo-leve, e se quebra o silêncio e as intimidades das pessoas.
A mulher tem uma voz estúpida. Forte. Até agressiva. Está a debitar palavras à velocidade da cera fedorenta que inunda pestilenta a sala. Não pode estar a sentir o que está a dizer.
Não pode ser! Tem um terço na mão.
(E se fosse possível parar o tempo? Estou mesmo a ver que nos próximos minutos não poderei prestar-te atenção. Durante largos momentos ficarás só; tenho pena de ti. Sabes que eu acho que as pessoas rezam orações deste tipo; lengalenga, para fazerem de conta de enganam os espíritos? Olha bem: já vistes que enquanto se passam os dedos pelas bolinhas todas presas e a dizer sempre, sempre as mesmas palavras a um ritmo que se aproxima do ridículo que é a indiferença com que se vive, se esquecem os problemas do dia-a-dia?
Vêm para aqui para te esquecer. Para adiar todos os problemas. E decisões. E soluções. Mas tu não queres saber nada disso por agora, pois não? e fazes bem. Porque agora estás a borrifar-te para tudo.)
A claridade que havia ainda há pouco tempo lá fora já começou a desaparecer e tu já nem te apercebes. Como é troglodita esta vida!, não achas? Não é só o sofrimento que nos encomenda os sentires, é o prazer que – confirma-se agora nesta sala pesada – apenas serve para nos iludir. E criar a ideia de que valia mesmo a pena crescer mais um bocado para além dos instantes com que fomos fazendo em cada crescimento.
Aquele teu amigo de tantas caminhadas pega num cigarro. Pronto a deixar os seus olhos seguindo as esculturas voláteis que vão saindo do seu fumo. Tem os ouvidos mais calmos.
Vais esperar por ele?
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