domingo, 18 de janeiro de 2015

Sementes de choque

O sentir humano é uma espécie de caleidoscópio instável.
José Saramago, in Alabardas
1. Eu sei; sei muto bem que daqui a pouco – quando as tábuas comprimirem o meu corpo antes do calor da cremação – todos; todos mesmo, sem exceção de qualquer natureza, vão esquecer a minha existência. Rápida e indiscretamente apagarão a minha entidade. Nem que para isso tenham que recorrer aos vampiros que adoram desfazer proximidades, amizades e harmonias.
Não falta muito. Sei isso muito bem! E sei também que brevemente – quando já não estivermos lado a lado – as tábuas frias, caindo sobre mim, apagar-me-ão de vez. As cinzas farão o resto.
O resto? Ilusões quentes que se desfazem quando o sol promete o infinito. Palavras de ocasião, estilo campanha porta a porta de políticos novatos ou outdoor sem significado ou com mensagens pesadas e imemoráveis.
É triste? É grave? É terrível?
Nada disso! Desde quando é que o homem político foi um homem de sentimentos?
Adeus!

Conto o tempo que me falta para a tua idade que tinhas quando te perdi. Faço contas às idades que os meus filhos terão. Trento rejeitar esses pensamentos. Não quero, esse tempo é demasiado cedo para morrer, mas, como também sabes, importa pouco aquilo que queremos.
José Luís Peixoto, Visão, 14.10.23

2. Tu que sempre estás ao meu lado sabes que vamos continuar por aí, pois vamos?
Tu que sabes como há vampiros e uns parvos que nos dizem que a vida é já ali! E sabes (sabemos) como enganam.
Nós sabemos que amanhã vamos abraçar-nos. Longe, bem longe do barulho que empurra os corpos para as tábuas frias.

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